Poderes do síndico têm limites. Advogado explica se gestor tem embasamento jurídico para proibir essas situações
Essa é uma das perguntas mais recorrentes nas últimas semanas aos escritórios que prestam assessoria jurídica aos condomínios.
Muitos síndicos, sob a alegação de ‘representar, ativa e passivamente o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns’, bem como o de, ‘diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores’ (art. 1348, II e V, do Código Civil), têm entendido e decidido que podem impedir o acesso de visitantes e também as mudanças, ficando resguardados ou blindados sob todos os aspectos, visto que, além do Código Civil, estão seguindo as recomendações dos decretos municipais/estaduais, bem como do Ministério da Saúde.
É importante dizer, já de início, que as coisas não são bem assim e que o síndico, em alguns casos, pode ser responsabilizado pelos exageros que cometer no cumprimento do seu mandato.
E dois desses exageros são justamente estes – o de proibir a entrada de visitantes (parentes, amigos, diaristas e outros) bem como o de impedir mudanças (entrada e saída de moradores com ou sem móveis). Tais excessos podem acarretar danos morais e materiais ao morador que se sentir ofendido por tais abusos, nos termos dos artigos 186 e 187, do Código Civil.
Por isso, antes de determinar esta ou aquela proibição, o síndico deve se certificar de que ele está legalmente embasado na sua decisão. Neste respeito, duas situações devem ser avaliadas – O Direito à Propriedade e alguns princípios da administração pública.
Direito de Propriedade
Inicialmente, cabe dizer que a propriedade é direito fundamental inviolável estabelecido pela Constituição Federal de 1988, conforme dispõe o artigo 5º:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Disso, depreende-se que em nosso ordenamento jurídico, tal proclamação constitucional coloca o Direito à Propriedade num patamar diferenciado de outros direitos reconhecidos, embora isso não signifique que não possa sofrer limitações, abrandamentos e sejam moderados por outros princípios constitucionais.
Não obstante a isto, qualquer limitação que o Direito à Propriedade venha a sofrer, somente será admissível se houver inequívoco fundamento na própria constituição.
O inciso XXII do mesmo artigo, por seu turno, preceitua: é garantido o direito de propriedade. O art. 170, ainda, insere a propriedade privada entre os princípios da ordem econômica.
Dentro desse contexto, já inserindo o assunto do nosso tema, encontra-se o disposto no Artigo 1335, I, do Código Civil, que diz:
Art. 1.335. São direitos do condômino:
I – usar, fruir e livremente dispor das suas unidades.
Tal artigo, que dispensa qualquer explicação dos seus termos, expressa exatamente o fundamento da nossa Constituição Federal.
Isso significa dizer que, mesmo sendo este direito sopesado com o direito à vida (art. 5º, ‘caput’, da CF) e o direito à saúde (art. 196, CF), não há razão legal para que o síndico proíba o usar, o fruir e o dispor do condômino ou possuidor, posto que a ele não é dado poder suficiente para tanto.
A simples leitura dos artigos citados como autorizadores para que o síndico proíba o acesso à unidade privativa (Art. 1348, II e V, CC) não encontra respaldo nas melhores doutrinas.
Princípios da Administração
Além dos dispositivos Constitucionais e também do Código Civil sobre o direito à propriedade, é essencial que haja uma mescla com alguns princípios que regem a administração pública e que devem ser aplicados ao administrador do condomínio, sobretudo o da Razoabilidade/Proporcionalidade.
Tais princípios exigem do agente – no caso, o síndico – que, ao tomar qualquer atitude dentro do condomínio, ele se utilize de prudência, sensatez e bom senso, evitando condutas abusivas, excêntricas e incoerentes.
Isto afastaria, de plano, aquelas alternativas chamadas únicas, como por exemplo, fechar totalmente as áreas comuns dos condomínios e a proibição do acesso de pessoas e/ou coisas às unidades privativas.
Atos dessa natureza são nulos de pleno direito e coloca o condomínio em risco de ações judiciais, o que, certamente, aumentaria os problemas financeiros do condomínio.
Alguns síndicos, ainda, a fim de validarem seus ‘decretos’, acabam invocando a Lei 13.979/20, que dispõe sobre as medidas de quarentena e isolamento.
No entanto, este não é um argumento ‘legal’ para que ele ‘decrete’ a proibição do direito de ir e vir das pessoas no condomínio, em especial no que tange ao acesso à sua propriedade, o que inclui os seus convidados e as mudanças. Em nenhum artigo da citada lei há campo para tal interpretação impeditiva e restritiva de direitos.
Por isso, o síndico não pode, pelo menos sem alguma determinação legal e específica para condomínios – e que seja constitucional, impedir que pessoas adentrem na unidade do proprietário/possuidor e menos ainda o impeça de realizar a sua mudança, seja para sair ou para entrar no condomínio.
Por fim, recomendamos que o síndico busque alternativas para melhorar a sensação de segurança e proteção à saúde de todos os moradores e visitantes do condomínio, intensificando a limpeza de elevadores e outras áreas de grande circulação no condomínio, assegurando-se, ainda, de ter sempre produtos de higienização nos locais de circulação como dispenseres de álcool em gel, máscaras descartáveis e também orientando a todos constantemente sobre o distanciamento e os demais cuidados necessários para que o COVID-19 fique longe do condomínio.
Boa saúde para todos!
Fonte: Sindiconet