Compreensão e bom senso em dobro nesta quarentena
Manual da boa vizinhança: no isolamento, tolerância é essencial para quem mora em condomínios
Reclamações de barulho crescem com famílias em casa. Márcio Rachkorsky, advogado especialista em condomínios, dá dicas de como agir durante pandemia da Covid-19
Compreensão, tolerância e bom senso são necessários neste período de isolamento social por causa da pandemia da Covid-19. E a vida de quem mora em condomínios pode ser bem melhor com tudo isso.
Com os moradores passando mais tempo em casa, as reclamações tendem a aumentar. Em especial, as que se referem a barulhos.
“Em tempos normais, já é o tema mais delicado e complexo que a gente tem no dia a dia dos prédios. Porque tem gente que tem uma sensibilidade muito exacerbada e reclama de qualquer coisa”, diz Márcio Rachkorsky, advogado especialista em condomínios.
“Tem gente que reclama de choro de neném, de um latido eventual de cachorro, de liquidificador, de secador de cabelo, de barulho de xixi, de descarga. E tem gente que não liga, sabe que ali vive uma família e que tem barulhos normais do dia a dia”, explica Márcio.
Com mais horas dentro do lar devido à quarentena, os ruídos tendem a crescer. Em contrapartida, quem está em home office quer silêncio. É natural precisar de concentração para trabalhar.
Há também quem se recuse a parar obras particulares ou insista na manutenção do uso de áreas comuns, como academias e quadras.
Perante a lei, apesar de algumas alterações necessárias para seguir as diretrizes de isolamento, as regras de convivência e horários seguem as mesmas.
“Não houve alteração nenhuma, e nem deve haver. Deve ser no dia a dia mesmo que o síndico vai mediando, junto com o conselho, vai tratando pontualmente algum caso mais grave”, conta Márcio.
O que mudou mesmo, para o advogado, foi a postura do condômino:
“Despontou aquela pessoa que realmente é muito egoísta. Percebi que a esmagadora maioria das pessoas vem cumprindo as determinações, por mais chatas que ela sejam. Mas a gente sempre tem em todos os condomínios, um ou dois ou um grupinho que não admite cumprir as normas agora mais duras e querem discutir.”
Veja respostas resumidas do advogado sobre vida em condomínio:
O que configura barulho?
“Todo e qualquer barulho relacionado à rotina da família, deve ser tolerado, não dá para ficar resmungando. E todo barulho que foge à rotina, se for esporádico, tudo bem. Mas se for um barulho habitual e faz um barulho fora da média, aí é hora de reclamar. Não tem manual, não tem uma regra. Vai ter que ser caso a caso, condomínio a condomínio.”
“Vai prevalecer o bom senso, diálogo, jogo de cintura. Nós vamos testar a civilidade e o espírito coletivo das pessoas.”
Todo barulho é igual?
“Barulhos cotidianos da vida da família são, por exemplo: criança correndo, cachorro latindo, liquidificador, cair alguma coisa no chão fora de horário… As pessoas estão com o horário meio bagunçado e tem mais vida dentro dos apartamentos. Então com esses barulhos, naturalmente, as pessoas precisam ser mais tolerantes.
Agora, os barulhos que costumam incomodar muito, que são barulhos relacionados à comportamento, o rigor tem que ser maior neste momento:
- Conversar alto na varanda de madrugada? De jeito nenhum
- Som alto, furadeira, martelo, obra, reforma? Em hipótese alguma”
As obras precisam ser paralisadas?
“Sim. Elas devem ser completamente paralisadas a partir de agora. Por dois motivos:
- evitar entra e sai de pedreiro, naturalmente por conta da pandemia
- preservar o sossego das pessoas
Não faz sentido a gente prestigiar uma pessoa que está em obra em detrimento de dezenas de famílias que vão sofrer o mês inteiro com furadeira, martelo na cabeça. Para as obras nas áreas comuns do condomínio, é o mesmo raciocínio. É por um critério de saúde e de sossego.”
Como exercitar sem perturbar o vizinho?
“É um tema que precisa ter uma tolerância um pouquinho maior nesse período. O horário ajuda. Você aguentar alguém pulando meia hora na sua cabeça às 10 horas da manhã talvez seja melhor do que as 2 horas da manhã.
Quem for fazer ginástica em casa, tem que fazer algo suave, algo que não incomode demais o outro. Então pulo, salto, vai na medida do que você ajustar com o seu vizinho.
Esse assunto vale muito mais à pena você passar a mão no interfone a ajustar com o vizinho, sem interferência de síndico. Funciona muito melhor do que fixar uma regra geral. Azar de quem tiver um vizinho muito intolerante, porque aí não vai ter negociação.”
Posso fazer show na varanda?
“Se for uma coisa pontual, uma brincadeira no final de semana, pô super legal. Agora o cara ficar cantando toda hora fora da varanda ou dentro de casa, aí não dá. Precisa reprimir. “
Tenho coronavírus, devo avisar o prédio?
“A gente entende que sim. A própria administração do condomínio deve fazer uma comunicação. Não para causar alarde, mas para informar e confortar. Não é momento de ficar fazendo sigilo com informação.”
Pra quem devo fazer reclamações?
“A gente recomenda que as pessoas evitem, dentro do possível, incomodar muito o síndico, porque na maioria dos casos ele é um morador que está lá de forma voluntária no cargo e que também precisa descansar, trabalhar em home office e tem os filhos para cuidar.
A orientação geral é: tente resolver as coisas direto com seu vizinho. Não na briga. No diálogo, na conversa. Não resolveu, antes de chegar no síndico, tentar o zelador, o gerente predial, busque ajuda da administradora.
Agora, nenhum deles, principalmente o síndico, pode ser babá de marmanjo.
Vale a pena a gente frisar aqui que, toda vez que o síndico perceber que tem uma situação muito delicada e que ele não consegue resolver, além de ter o poder de aplicar multa, o caminho é chamar a polícia. Aí vem a viatura, leva todo mundo para delegacia e lá o cara vai explicar ao delegado por que que ele não quer cumprir uma norma que é para saúde de todos.
Tem um crime que chama periclitação da vida e da saúde, que é você colocar a vida de outras pessoas em risco. Me parece que isso pode configurar esse tipo de crime.”
Fonte: Sindiconet