Especialistas debatem se é hora de flexibilizar uso das áreas comuns nos prédios, com moradores fazendo rodízios em piscinas, playground e academias sem risco de contaminação pela Covid-19
Uma das primeiras medidas adotadas no início da pandemia de coronavírus foi a interdição das áreas de lazer dos prédios como forma de evitar a propagação da doença. Já se passaram quase dois meses, e muitos condomínios continuam bloqueando o acesso dos moradores a esses locais. Mas há outros já liberando parcialmente o funcionamento de piscina, playground, quadra e academia.
Será que é seguro flexibilizar o uso das áreas comuns neste momento?
A pediatra Sandra Martins pensa que é possível sim adotar um rodízio para a utilização desses locais em nome da saúde física e emocional, sobretudo de crianças e idosos. “Acho errado os condomínios fecharem as áreas de lazer”, opina a médica.
Para a médica, que defende o distanciamento social como uma das formas mais eficientes de se prevenir contra a Covid-19, com regras claras os moradores poderiam se beneficiar do uso dessas dependências.
“Com organização, todos se beneficiariam”, diz pediatra
“Teria que o síndico perguntar a cada unidade quem gostaria de usar o que e para qual fim. Poderia permitir um idoso tomar sol, duas crianças usarem a piscina ou três pessoas usarem a área de ginástica, por exemplo. Criar um rodízio em que o grupo se comprometesse com o distanciamento físico e a higienização para o próximo usuário. Tem três turnos: manhãs, tardes e noites. Um condomínio com 20 apartamentos poderia organizar, fazer uma reunião por aplicativo e procurar saber quantas crianças existem, quantas pessoas desejariam usariam a academia… Com organização, todos se beneficiariam”, sugere Sandra.
Segundo ela, médicos, especialmente pediatras, estão preocupados com os prejuízos do confinamento por um tempo tão prolongado e ainda sem prazo de terminar. Um dos problemas é a falta de exposição solar, que prejudicaria a produção de vitamina D no organismo. Sem falar nas questões psicológicas por conta do isolamento social.
“O déficit de vitamina D é até pequeno se comparado com o desgaste emocional de crianças num apartamento de 70 metros quadrados”, destaca Sandra.
Ela não acha que a solução seja resolvida com a suplementação da vitamina. “Não é tomando complexos vitamínicos que vamos resolver esse problema. É claro que tomar sol na pele ajuda a repor a vitamina D. Mas a luminosidade nos melhora emocionalmente. Então, acho que a pessoa poderia ir passear no jardim do prédio. É um lugar aberto, tem vento. Se conhecemos as normas que são afastamento físico, uso de máscara e higienização de objetos e aparelhos, não há por que não fazer um ordenamento dentro destas normas”, defende.
Para a pediatra, a “forma de morar” em prédios vai ter que ser revista. “Acredito que o livre uso das áreas comuns a qualquer hora não teremos tão cedo…”
“Acho difícil abrir concessões”, opina infectologista
O infectologista Luís Henrique Barbosa Borges não apóia a ideia de uma flexibilização na rotina dos condomínios neste momento.
“Há casos específicos, de condomínios menores, com pessoas razoáveis e de convívio harmonioso, onde poderia haver um rodízio de horário de uso das áreas comuns. Mas acho difícil abrir concessões . Não somos um povo educado neste sentido. Então não sou a favor da abertura das áreas de lazer agora. O momento é de confinamento. E não tem confinamento mais ou menos. Deixe o nosso número de caso parar de subir. Esta é a minha opinião”, pondera ele.
A pediatra Bruna Lopes também entende que o momento da pandemia ainda é complicado e defende que as áreas comuns nos prédios permaneçam fechadas.
“Vemos ainda um aumento do número de casos, do contágio e de óbitos, poucos testes disponíveis e um número considerável de pessoas assintomáticas contaminadas e não testadas e que podem manter a propagação do vírus por até 14 dias. Como garantir que quem usa a área comum de lazer do condomínio não esteja contaminado e sem sintomas? Como manter higiene adequada de brinquedos em playgrounds, por exemplo, que são compartilhados?”, questiona ela.
De acordo com a pediatra, a reposição da vitamina D não é uma recomendação imediata.
“Algumas mães me perguntaram. Mas se a criança não faz parte do grupo de risco e é saudável deveria repor por quê? Não é uma reposição inócua para quem tem dosagens boas. O risco da medicação sem indicação é hipervitaminose D. Níveis elevados de vitamina D podem alterar metabolismo do cálcio, afetando ossos e rim e causando fraqueza muscular, vômitos e desidratação em casos graves”, alerta.
“O recomendado de exposição ao sol para conversão de vitamina D não é feito nem em condições fora de pandemia! A reserva normal do organismo compensa a pouca exposição solar temporariamente. Aqui não é país sem sol. Dá pra ter exposição reduzida, mas não ausência de exposição.”
Uma alternativa, diz Bruna, seria tomar sol na janela, com os braços e rosto expostos.
E a saúde mental?
Já em relação aos danos à saúde mental, ela considera a parte mais difícil de equacionar.
“Até porque não se tem prazo para o fim do distanciamento social. Vivermos isolados talvez seja o novo normal daqui pra frente, até que alguma medicação ou vacina segura esteja disponível. As pessoas vão ter que descobrir outros prazeres e outras formas de entretenimento para manter a saúde mental”.
As crianças, segundo a pediatra, precisam mesmo de uma atenção especial.
“Sugiro um quadro de atividades, para que tenham ocupação na maior parte do dia. Dependendo da idade, podem ser incluídas nas tarefas da casa, na rotina de arrumação e no preparo das refeições. Isso ajuda, inclusive, no desenvolvimento do senso de coletividade dos pequenos e responsabilidade com o lar. São tempos difíceis: não tem estratégia fácil para vencer o vírus. Mas ainda acredito que o distanciamento ainda é a forma mais prudente de prevenção”.
Fonte: A Gazeta